O bom Deus costuma ao fechar uma porta, abrir uma janela. Acontece que a minha janela proporcionou o meu feliz reencontro com a literatura. Reencontro sim, porque desde menino, imitando meu pai-herói, já rabiscava historietas e parábolas que conseguia publicar em “O Tico-tico”, excelente revista infantil carioca, e no “Recreio da Petizada”, uma congênere recifense.
Ao longo da adolescência e juventude, mantinha-me rigorosamente em dia com a produção literária nacional contemporânea. Fazia demoradas incursões nas obras de autores portugueses e brasileiros de ontem e de antes de ontem, notadamente, Rachel de Queiroz, Machado de Assis. E não resistia a atração de devorar no original os romances de Victor Hugo, Zola e Balzac; os contos de Maupassant e Daudet ou ainda as crônicas de viagens de Loti.
Fins da década de 20 e começos da de 30, publicava poemas “futuristas” à moda de Oswald de Andrade e contos românticos no “Jornal de Caruaru”, “Vitrina”, “Pra você” e “Jazz-band”, da imprensa pernambucana. Também escrevi sonetos conservadores, inéditos, dedicados à namorada. Redigi crônicas e artigos que ocupavam colunas dos jornais caruaruenses e alagoanos. E muitos contos que ganhavam espaços com ilustrações em revistas cariocas – como “Fon-fon”, “Para Todos...”, “O Malho” – e em jornais – como “A Noite” e “O Jornal”. Em 1935, iniciei a rascunhar os primeiros capítulos de O RAPAZ DA VILA MARIA, mas somente o concluí anos depois...
À proporção que a vista me foi faltando e a ociosidade ameaçava tomar conta de mim, reagi escrevendo. Desde então senti renascer o interesse, o entusiasmo e a criatividade de minha antiga vocação literária. E não parei mais de batucar em minha “Remington”.
Assim, no final dos anos 70, reescrevi os primeiros capítulos e conclui o romance, iniciado na Década dos anos 30, O RAPAZ DA VILA MARIA. Em ordem de elaboração e publicação, seguiram-se os romances ZÉ DO FOGUETE e APARTAMENTO DE COBERTURA; a novela TIRO DE MISERICÓRDIA e DONZELAS NA BERLINDA, e o livro de contos ESTÓRIAS DA VIDA; o romance BIOGRAFIA DE UMA VELHA SENHORA; a novela VIDA DE PENSÃO.
Hoje, tendo completado setenta anos, sou um velho com os mesmos costumes e temperamento de sempre: conservador, caseiro, tímido. Quase cego, bato mal à máquina. Vivo, unicamente, para o meu mundo afetivo povoado por minha esposa, minha filha, meus netos, minha bisneta e alguns poucos amigos, verdadeiros amigos. O exercício da literatura serve-me de deliciosa distração.
Talvez por sobra de tempo ou maior vivência dos dramas e fatos sociais, as idéias corram fáceis à mente. A redação sai fluente, os trabalhos chegam ao termo sem problemas.
Quando moço, prevalecia o entusiasmo, a vontade de me mostrar, a vaidade de me ver em letra de forma, ocupando espaços em importantes órgãos da imprensa. Agora, eu escrevo para atender a um deleite íntimo. A afirmação de meu espírito que reage ao envelhecimento, à necessidade de confidenciar impressões, desejos, reminiscências, mágoas, preocupações, pontos de vista através das “marionetes”, os personagens que crio e movimento dentro de diferentes enredos.