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O RAPAZ DA VILA MARIA se propõe a refletir a poesia simples, ingênua e romântica latente no quotidiano dos subúrbios recifenses, há meio século. Suas páginas estão cheias de manhãs luminosas, dias de invernada, tardes crepusculares e noites enluaradas a emoldurar a ficção de um enredo vivido por seus personagens numa paisagem e numa comunidade de inesquecíveis recordações. Paisagem constituída de ruas largas, atapetadas de capim, marginadas por quintais arborizados e iluminadas à noite por filas de lampiões de gás. E comunidade de gente sem grandes ambições, habitando chalés de vários níveis sócio-econômicos, repetindo costumes limitados por tabus de toda espécie e a usar ou frequentar os mesmos transportes coletivos, as mesmas festas religiosas e ainda, irmanada nos momentos de dor e de apreensões, ante os movimentos revolucionários que intranquilizaram e ensanguentaram o Recife de então.
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Recife, 22 de setembro de 1980
Uma revelação! Não tenho outra expressão para saudar o novo romancista Hilton Sette, com o seu romance tão tipicamente recifense O RAPAZ DA VILA MARIA, edição do Conselho Municipal de Cultura, Recife, 1981.
Conhecia o Hilton Sette geógrafo, historiador, humanista. Um mestre que todos admiramos. Conhecia a pessoa humana – um santo. Não suspeitava que pudesse haver nele um romancista, embora tivesse cá minhas desconfianças: sendo filho de gato tinha de ser gatinho. Mas já nasceu gatão. Hoje não há nada mais em “inho”; tudo é em “ão”. Hilton Sette estréia no romance como um grande de Espanha da nossa literatura de ficção. Até nem parece estréia.
Péricles é o rapaz da Vila Maria um estudante de Direito, meio bisonho. Vive recatado. Aos poucos vai entrando na sociedade. Não tarda em namorar e termina noivo de Morena. Começa a sua desinibição. Mas há nesse rapaz – sem que o leitor suspeite – um drama íntimo: é filho de uma prostituta que mora no Rio de Janeiro. Aquela que ele pensava ser sua mãe morre de repente apenas recebe um recorte de jornal em que a verdade é contada pela infeliz mulher. No momento de enterro da suposta mãe – uma engomadeira – Péricles faz um pequeno e comovente discurso, antes de cerrar o ataúde. Belas palavras de um filho roubado na sua ilusão. O romance chega ao fim, dramaticamente. Péricles já está empregado no Instituto Brasileiro como professor de Geografia. Vai casar com Morena. Um romance – poderão pensar – mais ou menos vulgar. Nada disso.
A vida do Recife – de um Recife docemente suburbano – é rica de sugestões. Hilton Sette se mostra um aquarelista. A paisagem do subúrbio surge nítida, provinciana, encantadora. Árvores, feiras, passeios, bondes, vendedores de coisas cotidianas, tudo isso compõe o cenário onde Péricles vê a vida passar.
Como retrato de um já distante Recife, que chega até a intentona vermelha de 1935, o livro é perfeito. O romancista se mostra na evidência plena de sua fixação emocional. O leitor se põe a recordar e a reviver. Tudo vai voltando magicamente. O jornal “O Combate” é uma crônica da festa da Padroeira da vida social, dos fuxicos, dos mexericos, das coisas miúdas. Mário Sette, pai do romancista, se reanima nessas páginas românticas se podia arruar e se punham cadeiras à calçada e lia-se calmamente o “Jornal Pequeno”. Belo romance esse de Hilton Sette. Que venham os outros. A revelação está feita. O resto será por acréscimo.