O nascimento, biologicamente, nos proporciona a troca do meio líquido, onde fomos gerados, pelo gasoso atmosférico. Momento em que ocorre a emancipação umbilical do organismo materno. A respiração nos assegura a oxigenação do sangue e a alimentação oral nos viabiliza a nutrição, o índice das funções auditivas, visuais e gustativas. Além de tudo isso, o nascimento nos confere a condição de pessoa humana.
Ao nascermos, porém, já contamos cerca de nove meses de existência. Somos um ser vivo a partir do momento da concepção, do instante em que um óvulo, em trânsito na trompa ovariana, é fecundado por um espermatozóide. Nessa ocasião, adquirimos de saída o sexo, as definições étnicas, o biótipo, as afinidades físicas e psíquicas, as heranças patogênicas e, possivelmente, a índole, o temperamento e certos caracteres congênitos com os ascendentes. Com a multiplicação e complexão das células, a diferenciação dos tecidos, a formação e funcionamento dos órgãos, os aparelhos e sistemas orgânicos etc, evoluímos de ovo implantado no útero a embrião e a feto numa lenta gestação.
No campo jurídico, o feto tem assegurado o direito à vida, assim como, presume-se o direito à herança mediante a confirmação do nascimento com vida.
A filosofia religiosa discute o momento em que se implanta no homem a alma imortal. Essa doação divina é que nos faz ser o único animal racional. Há os que opinam que se dá por ocasião da concepção. Outros preferem admitir que ocorre quando as funções conscientes do cérebro começam a se manifestar em plena evolução fetal. Não será esse implante um “zero quilômetro” para a vida espiritual?
Não... Talvez não seja fácil precisar o dia e a hora em que se verificou o nosso quilômetro zero no regaço materno. Quando muito, podemos ter uma idéia onde foi o local ou a residência da família e outros informes sem grande valia, a não ser como dado curioso.
No meu caso específico, pairam-me dúvidas a respeito impossíveis de serem elucidadas. Tudo me leva a admitir que eu tenha começado a existir como ser vivo a partir do mês de outubro de 1910; portanto, nove meses antes do meu nascimento. Nessa época, meus pais – Mário e Maria Laura Maia Sette – residiam em um pitoresco chalet, rodeado de fruteiras, na Rua das Pedrinhas, hoje, Rua Paula Batista, em Casa Amarela. Acontece, porém, na distante outubro, a minha família realizou uma curta temporada de vilegiatura em Caruaru, ocupando casa alugada na Rua da Feira, por sinal, parede e meia com a do Dr. Jordão, conceituado e único médico da cidade.
Tais circunstâncias me permitem admitir que eu possa ter sido gerado tanto na quietude de uma das agradáveis noites “casamarelenses”, como na ociosidade de um dos gostosos dias passados no interior. Aliás, qualquer uma das hipóteses sobre o local da minha origem biológica, agrada-me sobremodo.
Muito gostaria que tivesse sido na minha Casa Amarela de antanho. Típica em “suas ruas largas e marginadas de sítios frondosos, seus lampiões de gás, suas manhãs aquareladas e suas noites enluaradas”, palco que foi de meu namoro e noivado com minha querida Lúcia e cenário romântico do meu romance O RAPAZ DA VILA MARIA.
Como também, sinto-me feliz caso minha concepção houvesse ocorrido em Caruaru, a “menina dos olhos” de meu pai. A cidade que nos enfeitiçou com a simpatia da sua gente, a fartura de suas feiras e a beleza de seus arredores, merecendo uma reconstituição carinhosa em meu romance ZÉ DO FOGUETE.
Meus pais se demoraram nessa casa, da Rua das Pedrinhas, até
maio de 1911. Quando, em face, da expectativa de um parto difícil
de minha mãe, como fora o primeiro, mudaram-se para mais perto
do centro, alugando uma casinha na Travessa da Ventura, na Capunga.