Em outubro daquele mesmo ano, 1911, porque meu pai e minha mãe continuassem a carpir, por demais pesarosos e abatidos, a perda do filho, um querido amigo, Leandro de Figueiredo - ex-colega do Colégio Loureiro, então, sócio de uma empresa de transportes marítimos dentro da Guanabara – insistiu e facilitou-nos uma ida ao Rio. Viajamos a bordo do Itajubá, um dos primeiros e menores paquetes da nascente Companhia Nacional de Navegação Costeira. Nos últimos dias de 1911, regressamos do Rio pelo Itatinga, um barco um pouco maior que o Itajubá. Meu estado geral já era muito melhor. Eu conseguia fazer “tentem” com ambas as pernas e ensaiar os primeiros passos.

No Rio, estivemos hospedados, antes, em casa de nossos amigos Leandro e Helena de Figueredo, na Tijuca. Em seguida, hospedamo-nos em casa de Antônio Rufino de Andrade Luna, ou, como meu pai o chamava, Papai Luna.

Papai Luna, de quem meu pai tanto se ocupou em suas “Memórias Íntimas”, era meu bisavô paterno, pai de minha avó – a vovó Dondon – Ana Emília de Luna Sette, depois das segundas núpcias, Luna Brandão. Não cheguei a conhecê-la.

Numa espaçosa residência de dois pavimentos, na Rua Oito de Dezembro, em Vila Isabel, Papai Luna morava em companhia de uma filha, a professora Terezinha de Melo Luna, com quem mantinha o Externato Santa Tereza, funcionando em sua própria casa. Ele era um homem culto, reto, austero, um educador com processos educacionais de seu tempo.

Ainda na dependência de Papai Luna, abrigadas no mesmo lar, uma nora viúva Cotinha e quatro netas. O relacionamento entre nora e sogro constitui um raríssimo e curioso exemplo de bom entendimento familiar em que se percebe a intensidade da influência absorvente de meu bisavô.

Cotinha, uma criatura que conheci boníssima e compreensiva, enviuvara muito jovem e sem recursos para se manter, vieram ela e as filhas habitar com Papai Luna. Ele, logo, assumiu não só a responsabilidade de tutor das meninas como as funções de verdadeiro pai das netas e da nora.

Aconteceu, porém, que anos mais tarde, o jornalista Álvaro Silva, do Jornal O PSIX, apaixonou-se por Cotinha, propôs-lhe casamento e teve de pedir-lhe a mão a Papai Luna. Ainda mais, a fim de não separar mãe das filhas e avô das netas, Álvaro e Cotinha ficaram residindo sob o mesmo teto do ex-sogro da esposa. E tudo deu maravilhosa e harmoniosamente certo.

Dois episódios merecem registro em nossa permanência no Rio. Eu havia recebido a Água Batismal pelas mãos do Vigário da Matriz da Boa Vista, em casa, na véspera da morte de meu irmão. Faltava-me ainda o complemento do Batismo e recebi os Santos Óleos na Igreja de São Francisco Xavier, servindo-me de padrinhos o meu bisavô Papai Luna e sua filha, minha tia Terezinha, e tendo sido apresentado por minha prima Emília, filha de Cotinha.

Do outro episódio lembro-me bem, pois aconteceu há pouco tempo com a tragédia do Bateau Mouche (Rio de Janeiro, 31.12.1988-89). A numerosa família de Leandro, constituída de irmãos, cunhados e sobrinhos, acrescida de amigos íntimos, inclusive nós três, meus pais e eu, realizamos um passeio na lancha Marieta até a ilha de Paquetá e no regresso enfrentamos a Baía de Guanabara em crescente ressaca. Durante a travessia, ondas cada vez mais altas e violentas ameaçavam virar e naufragar a frágil embarcação, causando pânico generalizado entre as senhoras e crianças. Tivemos que arribar num cargueiro alemão prestes a levantar ferros, fazendo-o esperar, enquanto a Marieta fosse a terra e mandasse um rebocador nos buscar.