Claro que não é a Olinda de hoje, exibindo um jeitão de museu e violentada pela bisbilhotice turística dos que visitam os seus mais íntimos recantos e de que tudo querem dela levar um “souvenir”. Não também a Olinda de praias enrocadas, poluídas e defendidas por diques de pedra tentando conter o avanço do mar que já conseguiu destruir o pitoresco e o encanto de suas primitivas praias dos Milagres, do Carmo, de São Francisco e do Farol. E não, a Olinda rarefeita em seus coqueirais, mutilada em suas matas de cajueiros e povoada de seus antigos e folclóricos tipos populares.

Na minha saudade, é a Olinda dos meus bons tempos de criança, de meninão e de adolescente. Uma Olinda que nos serviu de residência ao longo dos anos de 1912 a 1927, com curtas soluções de continuidade, sem incluir na conta as temporadas de veraneio à beira mar, nos anos 1929, 1930 e 1939. Então, uma Olinda diferente, humana, abrigando uma comunidade, quase uma só família e exercendo funções bem caracterizadas como me referi no meu Discurso de Posse na Academia Pernambucana de Letras. Apenas, a Olinda com embriões de atividade comercial e industrial. O velho burgo de Duarte Coelho servia de dormitório, melhor, oferecia moradia aos que trabalhavam, estudavam, frequentavam médicos, hospitais e dentistas, faziam compras e divertiam-se no Recife, servidos antes pelas maxambombas dos “trilhos urbanos” e depois, pelos excelentes bondes elétricos de “Pernambuco Transways”.

A presença de tão numerosos templos e monumentos religiosos – igrejas, conventos, capelas, nichos, santuários e cruzeiros – e de uma população católica em quase sua totalidade, proporcionava à cidade uma sensível função conventual. Olinda, de então, cheirava a incenso e pautava sua vida ao ritmo dos toques dos sinos em avisos, repiques e dobres, marcando as horas, chamando para missas, rezas de terços e novenas, anunciando procissões ou chorando a morte de conhecidas pessoas gratas.

Nos fins de cada ano, prolongando-se até as proximidades do Carnaval, a nossa primitiva capital curtia intensamente sua função balneária. Via-se invadida por grande número de veranistas, vindos do Recife e do interior, ocupando, em casas alugadas, a orla marítima e adjacências, atraídos pelas delícias dos então chamados “banhos salgados”, pelos dias ensolarados e refrescados pela brisa marinha e pelas noites de luar.

Das seis às dez da manhã, período em que se dizia estar a água marinha mais iodada, as praias se enchiam de banhistas. Não só veranistas, como também os que desciam da cidade alta, desafiando as ondas bravias nas quadras das marés altas ou andando e pescando sobre os arrecifes descobertos nas quadras das marés baixas. Depois das três horas, ao refrescar da brisa, na suavidade das tardes, verificava-se uma nova ocorrência aos folguedos das praias dos banhos de mar.

Ainda uma outra motivação transformava Olinda em pólo de atração regional durante os meses de estio. As retretas domingueiras no Pátio do Carmo em torno de um coreto armado nas vizinhanças dos balneários Etna e Atlântico e das altas torres metálicas do Telégrafo sem fio. Havia, no Pátio, inúmeros outros entretenimentos para a considerável massa humana que flertava, namorava e noivava, passeando em redor do coreto, onde a banda de música executava um repertório de maxixes, tanguinhos, foxes, valsas e marchinhas carnavalescas. Eram barraquinhas de prendas com sorteios de brindes, mesinhas de bares ao ar livre servindo cervejas, sorvetes de abacaxi ou maracujá e gasosas da Fratelli Vita. Havia as funções do mamulengo de seu Babau e o tablado, onde se dançava o pastoril ante a acirrada rivalidade entre os partidários do cordão azul e do cordão encarnado. Na periferia, as vendedoras de tapiocas-de-coco, pastéis, bolos e grudes juntos aos tabuleiros, fogareiros e candeeiros a carbureto e, por toda parte, molecotes apregoando “midubim torrado e cozinhado”... Muito flerte, namoro e noivado iniciado naquelas retretas se consolidaram em lares felizes.

Essa é a Olinda que eu conheci e que se impregnou na minha lembrança e, principalmente, na minha gratidão. Gratidão, sim. Devo a Olinda, ou mais precisamente, às praias e ao mar de Olinda, a terapêutica da cura de dois males sofridos na evolução de meu desenvolvimento físico.