As minhas mais remotas reminiscências, aliás, vagas e imprecisas, datam do nascimento do meu segundo irmão, Hoel, em fevereiro de 1914. Contava, então, com dois anos e seis meses de idade e melhorara dos achaques respiratórios que tanto me molestavam.
Na época, continuávamos a residir no alto da Ladeira de São Francisco, mas viéramos passar uns tempos no primeiro andar de um sobrado no Pátio de Santa Cruz, esquina da Rua Gervásio Pires, no Recife, a fim de aguardarmos a terceira maternidade de minha mãe. Essa residência pertencia a D. Leocádia Araújo, sogra de meu tio Heitor Maia, que, vez por outra, veraneava em nossa casa olindense. Isso porque, como minha mãe estivesse em vésperas de dar a luz, fazia-se necessário virmos para mais perto de médicos e farmácias.
Dessa vez, no entanto, não podíamos nos abrigar em nosso “quartel general”, uma vez que meus pais estavam no firme propósito de não voltar ao lugar de onde havia saído o enterro do primeiro filho. A solução do problema nos foi proporcionada por D. Leocádia que se ofereceu para ir para a Rua da Aurora, podendo Dindinha nos fazer companhia no sobrado do Pátio de Santa Cruz, prestando assistência à minha mãe.
Justamente daquele sobrado, guardo as minhas mais antigas lembranças, ainda que muito descontínuas e esfarrapadas. Lembro-me, por exemplo, do assoalho de tábuas de madeira muito claras, largas e limpas, onde permitiam que eu me sentasse no chão e arrumasse ao meu redor os meus soldadinhos de chumbo. Não esqueço, também, um quarto escuro, bem debaixo do lance da escada que subia do primeiro ao segundo andar, com porta abrindo para a sala de jantar, onde uma babá de nome Flora me banhava em banheira de flandres, apoiada sobre duas cadeiras.
Do nascimento do mano, nada me recordo. Sei que Hoel veio ao mundo numa quinta-feira, antes do Carnaval, a 19 de Fevereiro de 1914, em horas de muito reboliço, foguetório e ensaios de dois grandes clubes de frevo sediados no bairro. Em compensação, estou bem lembrado da primeira vez que andei de automóvel. Um carro alugado por meu pai para fazer a nossa viagem de regresso à Olinda. Lembro-me de minha mãe descendo a escada numa cadeira de braços, carregada por dois homens.