A casa de Dindinha e tio Heitor, ao longo de toda minha infância, adolescência e juventude, sempre funcionou como sendo o nosso “quartel general”. Fosse a da Rua da Aurora, ou a da Avenida Riachuelo, ou, ainda, a da Rua do Hospício e, por fim, o casarão de dois pavimentos na Rua do Príncipe, 280, rodeado de jardins e de grande quintal arborizado. As portas sempre estavam abertas para nos servir de abrigo ou refúgio, a qualquer pretexto – uma doença de maior gravidade em algum de nós, o conhecimento de um surto epidêmico nas proximidades de nossa morada, uma véspera de viagem para o interior a fim de pegar o trem na manhã seguinte... Tenho a impressão de ouvir meu pai dizer: “Vamos para casa de D. Chiquinha”.
Havia por sinal, entre as duas famílias, uma recíproca e amistosa acolhida. Do mesmo modo que íamos fazer companhia à Dindinha, quando meu tio e familiares se ausentavam do Recife, eles costumavam ir veranear na nossa casa em Olinda.
Durante os primeiros anos de vida, não gozei de boa saúde. Fui acometido de frequentes perturbações nas vias respiratórias através de resfriados fortes com febre alta, inflamação na garganta, muita secreção, tosse expectorante e bronquite. Em maio de 1912, meus pais, que ainda moravam na Travessa da Ventura, vendo meu estado de saúde se agravar, foram se abrigar em nosso “quartel general”.
Ali, a princípio, melhorei, mas, minha babá, Eufrásia, com a natural curiosidade de ver o aviador francês, que se exibia nos céus do Recife, carregou-me, saído do berço, até a janela. Possivelmente, a umidade e o vento frio fizeram-me recair e, dessa vez, para valer.
Nesse ínterim, fins de maio, o meu irmão Hoel, com três anos e cinco meses, adoece seriamente com febre muito alta e rebelde à terapêutica do Dr. Alfredo Costa. No terceiro dia da doença, adveio-lhe meningite e no seguinte, 29, faleceu, cerca de dez horas da manhã, depois de haver vomitado preto.
Com esse desenlace, os meus pais, excessivamente, afetuosos e apegados aos filhos, chegaram ao limiar do desespero, principalmente, por existirem dúvidas quanto à causa mortis do meu irmão. E como, ainda, eu continuasse a merecer cuidados, fui batizado às pressas em casa de minha Dindinha pelo Vigário da Matriz da Boa Vista. E a tia Elvira, esposa de tio Heitor, foi a minha madrinha de apresentar.
O diagnóstico da enfermidade que vitimou meu irmão não ficou esclarecido na época. Sabia-se da ocorrência de casos de Febre Amarela na cidade, mas, como quase sempre acontece, o poder público negava e escondia tais ocorrências. Meu segundo irmão Hoel, no entanto, quando médico gastroenterologista e catedrático de Terapêutica da Faculdade de Medicina da Universidade de Pernambuco, ouvindo de meu pai um minucioso relato de toda a sintomatologia da doença, não alimentava dúvidas de que teria sido sim, Febre Amarela urbana.
Ao voltar do Cemitério de Santo Amaro, onde deixara para sempre o filho querido, meu pai veio buscar minha mãe e, não querendo voltar para nossa casa, na Travessa do Ventura, fomos nos hospedar, por uns dias, no lar de Tiazinha, Anunciada Taborda Gomes, minha tia avó materna, em um primeiro andar da Rua da Imperatriz.
Da casa de Tiazinha, transferimo-nos para um primeiro andar da Rua da Detenção, hoje, Rua Floriano Peixoto, onde morava meu tio avô paterno, Enedino Sette – que se encontrava fazendo uma temporada em Jaboatão, em busca de melhora para sua tuberculose fibrosa.
Cerca de dois meses depois, minha tia materna, Maria Júlia Maia Guimarães, esposa do cirurgião dentista Lourenço da Cunha Salazar, convidou-nos e fomos passar uns dias em sua residência na Rua Matias Ferreira, hoje, Prudente de Morais, em Olinda.
As ladeiras, as ruas estreitas, os conventos, as igrejas, o casario
colonial, as praias, os coqueirais, todos os encantos da velha Olinda
tocaram tanto a sensibilidade de meu pai, que ele acabou alugando uma
casa no alto da Ladeira de São Francisco. De súbito, transferiu
para lá o nosso lar, ainda, instalado na Travessa do Ventura,
na Capunga.